Um Abismo

quinta-feira, junho 29, 2006

Desejo

flutuo à volta da tua imagem
e não encontro um erro:
apenas o veludo onde me apetece
esquecer os lábios

terça-feira, junho 27, 2006

Colheita

é feita em ti
a recuperação da minha matéria
e sinto-me santa
após o milagre do teu orvalho

sexta-feira, junho 23, 2006

Exposição

não tenho arte para te soletrar
o poema mas corro museus
de vento para recuperar a mão
que me sacudia o calor do sul

sms

és um peixe nas minhas águas
tenras

quinta-feira, junho 22, 2006

Oitavo som

: a tua voz
no fundo breve do dia
anónimo

Sétimo som

espaços de sal
sorvem a manhã

outra especiaria do silêncio

deslizo ao teu lado
um barco no fundo
enquanto o abraço cheira flores
e poemas

terça-feira, junho 20, 2006

Sexto som

quero este tempo à tua rota
entrar no dia à tua espera
e ter os pulsos abertos

flor vermelha
na tua rua

Quinto som

sol
silêncio

água em pedra

Quarto som

a miúda é esta rapariga que me chama
do fundo da história

o objectivo da menina
é romper o sol
complicar as estrelas
cravar o hífen entre o caminho
e o céu

e dobrar a suave esquina
da terra

segunda-feira, junho 19, 2006

Terceiro som

gostava de te chamar um superlativo
subtrair-te os limites do nome
ter um acrónimo

pô-lo ao peito
em jeito de colar

Segundo som

andante
jazz
clarinete

o teu piano preto
volume anónimo
e no escuro

a morte corre

Primeiro som

um murmúrio
um adjectivo
um lento escorrer do nome
na noite

encontramo-nos à saída
de nós
e a festa corre-nos
nos olhos

OUTROS SONS SOBRE A NOITE -

quarta-feira, junho 14, 2006

Mensagem

pouso na árvore do teu corpo
e é como se as tuas raízes
envolvessem o meu coração
embriegado

segunda-feira, junho 12, 2006

SEQUÊNCIA

Se tu me fosses entregue


nu e adormecido num chão de suores quentes
eu obrigaria o silêncio a poisar na tua pele escura
e junto aos lábios carnais - os teus lábios
são vinhas - recolheria o sopro respiração ofegante
de animal e dobrada sobre o teu corpo
entregaria aos teus sonhos a seiva
que me inunda de dentro


Se tu fosses vinho


e me fosses dado na taça das mãos
derramar-te-ia nos seios far-te-ia
correr no terreno muscular até entrares
no monte negro e te perderes no desfiladeiro
onde plantas línguas de vento

e ser-me-ia dado o mundo
para te viajar


Se tu fosses um menino acabado de nascer


e de mim fosses parido
lamberia os restos do meu ventre
na tua primeira pele
o meu colo aquecer-te-ia nu
e logo o meu seio se derramaria na tua boca
o meu sangue correria das pernas louco
louco por te levar outra vez à gruta mãe


E se fosses um gato


um bicho louco nas minhas rochas
dar-te-ia a secura da pele
onde anotarias pássaros selvagens
novelos de terra e eu
cobra na tua sombra gritaria
à lua correria
e atiraria contigo
às sobras florestais do meu corpo
até ser um sulco na fúria das tuas garras


Mas se fosses o que és

e me fosses dado eu queimaria papiros
far-te-ia um ninho e não sei que poemas
alegres cantaria aos teus ouvidos


Ou se fosses o último


homem do meu tempo
uma tempestade de estrelas
anónimas um rio sinuoso do paraíso
um rei moreno eu abriria
o coração à faca comeria baratas
abateria a família a tiro e subiria
à pata os degraus para o inferno

arfando no fogo
mastigando humilhações e vertendo
um animal saciado

Ambígua uva

abre mãos nas colinas
e deixa-te cair no vento
do meu relvado negro

depois abre lábios bifurca
a carne até encontrares os extremos
escondidos na minha pulsão

a tempestade avança a chuva cai
duro grão ambígua uva
- um tornado junto à raiz ossuda
de ti quando deixas mãos
no cimo escuro
das minhas colinas

sexta-feira, junho 09, 2006

Livro

percorro-te por capítulos
faço-te arder na fogueira da carne
e respiro cinza: quando pereces um gato
bravo e encontras o meu cheiro
dos tornozelos ao cabelos

quinta-feira, junho 08, 2006

Espelho

O perímetro da tua íris
é de dois milímetros
tens vinte e três sinais escuros no rosto
umas pestanas com meio centímetro
e uma testa que aceita o comprimento
do meu polegar.

Nestas medidas
alinhas o sorriso do rapaz
que percorria o horizonte por escalar
e ainda ostentas a expressão
de quem olha para além da fuga
enquanto o tempo te vai passando.

Os dois milímetros escuros das tuas íris
brilham tanto que me posso ver
reflectida nos teus olhos.

quarta-feira, junho 07, 2006

Eu sou

o teu laboratório __ o sítio
onde se torna real
a luz dos meus dias

AQUÁRIO

existo para te receber
para que me atravesses sem
escamas e vás ao fundo

na superfície só sinto anzóis:
dentro escapas ao mundo

O frade não leva três

e esta é então a última vez que eu tento entrar neste mundo confuso e desconfigurado