Um Abismo

quarta-feira, março 26, 2008

ARDE OUTRA ÁRVORE

- vês? comecei a sentir uma espécie de fogo pegar-me a ponta da saia
e depois a navalha da saudade entre os seios; as tuas mãos a virem
plumas plumas, a lareira ateada, os teus dedos plumas de música, e num pânico,
sabes aquele medo de tecido queimado?,- arranquei tudo até ao lençol
onde se deitavam aquelas papoilas. e agora, aguardo-te
- sabes que sou um fruto que só se deixa cair no tempo certo
- o que é o tempo certo?
- é assim: agarro-te e é porque tenho medo que morras
antes de mim, antes da explosão da minha carne quando chega
à tua, para juntos afagarmos a terra
- e esta nudez sem papoilas, este outono? lança-me o teu sol e canta

segunda-feira, março 24, 2008

HORA DO SONHO

- ah, ficaram lisos os meus cabelos acariciados pelas tuas
mãos pequenas e tu não sabes, mas enquanto os apertavas e te detinhas no meu crânio, fui colher flores,num sonho, num instante
- dei conta do teu deleite e saberás que nesse momento era no meu corpo
que se erguia a árvore do mundo? e saberás também, que era a mim que colhias?
- cairei no teu chão, tão calmo és, pelo prazer de me sentir levantar
e se não me deres a mão para depois me sentares no teu colo, desce
então aos meus pés e ata-me neste silêncio de tinta
22-11-2006

terça-feira, março 18, 2008

OUTRO ACTO DE AMOR

- sou um livro aberto nesta cadeira encantada e não entendes
que o fogo que aquecerá a casa, não é esse que na lareira
agora tentas?
- deixa que o calor se instale e já trato de te descascar, figo
da minha vida
- estalo há horas, o meu vestido está cansado de esperar um
dedo teu que chegará e que tudo fará para que em qualquer dos meus tantos fundos, se instale. o quarto arde porque eu ardo e não porque
me viras costas e investes, teimas, em aquecer de vermelho
as paredes e eu aqui. e eu aqui sempre. sabes de que quadro falo?

domingo, março 09, 2008

ESTAMOS FECHADOS NA VIDA

- sentes, ó divino, o cheiro que me contorna
quando enfio os olhos nos teus lábios e fico uma
borboleta a espreitar a tua mão fechada?
- queres música? ou que lance primeiro o dedo no mapa
do meu corpo?
- tanta terra. são abundantes os teus sulcos
e quero derramar-me, um a um. quero que tu vaciles
entre uma montanha e outra, enquanto escalas
a lâmina da minha carne
para mais tarde caires
17/11/2006

domingo, março 02, 2008

UM POMAR DE CARNE

- não sei imitar a tristeza, agarrada nestes lençóis de veneno
e asas de anjo, ou são flores do paraísoas que me entrelaças nos cabelos?
- cala o arco da tua boca sumarenta e aproveita este ramo que te estendo,
todo orvalhado, pobre de mim, que fui feito para te receber. lembras-me
sempre as laranjas apanhadas pelo meu pai, na casa de campo. sinto, por ti, a gula da infância
- é o que nos faz parecidos, talvez, com o chão: camada mais funda e abundante. não sei não sei. cada vez mais não sei o rio do instante
16/ novembro/2006