Um Abismo

quinta-feira, setembro 21, 2006

(continuação)

r:
está tudo baralhado na carta da vida: procuro paus
ouro reis corações e espero entender as regras
que me instalarão num túmulo de paz

estamos perdidos neste lado da luz

s:
colhi a rosa junto à tua

t:
sangrei na fenda do teu crânio leve
sangrei no branco velho
nos sabugos roídos
nas tuas têmporas ferozes
e o cheiro do sangue lembrava as rosas
esmagadas sob os pés que incertos
procuravam a rua final

continuamos perdidos na luz

segunda-feira, setembro 18, 2006

(continuação)

n:
vivo na rosa do lado
presa à raiz ornamento
a terra sob os teus pés
entro nas pétalas
lábios que me abres
para que habite um palmo
no teu corpo sangrado

o:
vou construindo o muro
provo as abas do ninho
onde dormem os teus dedos
húmidos no alto da minha carne
___ um bolbo rasgado

p:
estás em casa
depois surge o jardim espalhas
sementes e amarras todos os caules
num ramo só e flui
o sémen flui fluis

estamos perdidos neste lado do campo sem luz

q:
provo da água que te sai e do líquido que me entra no escuro fundo
do corpo chamo-lhe saliva duma língua animal e sabe-me a
fogo porque me fura a casca
nesta paisagem há um cheiro a folhas de louro e símbolos que têm a
intenção de suscitar o prazer do humano
mas agora a verdade é um esqueleto
não passa do osso virtual a roer
enquanto é tempo de sorver o inverno sem rigor
e há escuridão na água que provo um halo de anjo
perverso contrapõe o outro
mais azul seguro

quinta-feira, setembro 14, 2006

(continuação)

i:
caí dos teus ramos dentro da tua boca
arredondada
e senti o corte dos dentes
o escorregar da língua
o céu vermelho
onde estalei e parti
raspando-te as paredes do estômago

j:
percorro-te por capítulos
faço-te arder na fogueira da carne
e respiro a cinza - quando pareces um gato bravo
e encontras o meu cheiro dos pés aos cabelos

l:
és a maior selva
a livre conjugação animal

m:
não quero abrir os olhos
cheios de sementes

são as íris que te sonham

terça-feira, setembro 12, 2006

(continuação)

e:
segue-me sempre: vou dar ao horizonte gelado
onde antes nascia o calor provocado
por ti em flor


f:
quando pareces um gato branco
procuras o cheiro nos meus tornozelos
e corres de mim e para mim
e à roda da árvore como fosse eu
um pequeno rato

e brincas atiças
fazes que comes e atiras longe
bates o rabo eléctrico
sossegas atónito
instigas
inventas sentimentos
maltratas
e adormeces com a cabeça
perdida na almofada
do meu peito vago

depois trocamos: sou g(r)ata

g:
é uma luta animal
fazes silêncio quando te procuro
e gritas quando me calo
açoitas abres a ferida com pomposo
adeus

h:
provocas a lava
ragas o lençol de relva
tiras-me sangue às lágrimas
desatinas cortas-me
e engoles-me aos gomos

sexta-feira, setembro 08, 2006

DOIS SANGUES

a:
o teu cabelo é um espelho
um relvado de cinza:
habito o reflexo - sou luz a correr



b:
tiro branco dos olhos: derramo-te
encho as mãos da tua terra _______e volto só
da morte aberta

fico assim ________ feita de música

ou traço de Klimt

deixo espaço para que preenchas
o vazio que te estendo do poema
com árvores braços vinho
inverno dos dedos que correm
por dentro
de mim


c:
diz se tens frio
se tens dedos penetrantes
se tens chão que me receba
se te posso tirar as escamas que me cortam
se te abro o vidro através do qual me vês
e te deixo entrar
ou se não queres pulsar
e te deixo sair

diz se percebes o último poente
se gostas das penínsulas a abrirem
das montanhas a crescerem
para que lhes tires as mãos
e para que as agarres e te deixes morrer
ou me transformes num loureiro


d:
corro ao vento e as folhas caem
aninham-se no teu cabelo de Apolo
e eu quero a terra
nela me deitarei contigo
até que nasça um figo

quinta-feira, setembro 07, 2006

Líquido animal

gosto que me arrastes me ponhas ferros
me desafies me faças
brava investidora e deixo
a jaula: ou cuidas de ti
ou não sobras: desfaço-te em líquidos
bebo-te e dou contigo em animal

quero ser igual ao sangue: trata-me
como um toiro: um bicho feroz: um musgo
das grutas onde o amor é morte

quarta-feira, setembro 06, 2006

Chamo-te

ó minha maravilha
humana ao pé te ti
os meus olhos são cegos